terça-feira, 28 de abril de 2009

epílogo

Os meses passam voando. Atravessam as fronteiras do tempo com a velocidade que imprimimos através dos nossos desejos. Um dia acordamos e pronto: tudo aquilo que nos fazia mal ficou no passado. A má notícia é que o que foi bom também fez questão de ficar no espaço-tempo que agora é memória. Resta-nos, então, contabilizar o saldo e transformá-lo em algo que possa ser traduzido futuramente pelo reducionismo do bom ou ruim. Ontem era expectativa, gana, ânsia e determinação. Hoje, tudo parece meio ridículo. Algo entre o infantil e o infanticídio da alma. Crescemos. E dentro de nós, tudo aquilo que deveria ter amadurecido se torna repentinamente frágil e tolo. Fecharam-se as cortinas de velho veludo vermelho. De repente as paredes já não são mais tão históricas, as cadeiras nem tão sensíveis e o palco já não é mais tão facilmente iluminado. Salvou-se a acústica. O som que ecoa pelos vãos da fala ingênua e passional. Que vaza nas entrelinhas dos interesses que jamais soubemos que existia. Das picuinhas e artimanhas ensaiadas nos bastidores pelos ratos – legítimos donos. Do riso fez-se o espanto – para a contrariedade do poeta. Chorar é tão óbvio, tão banal que não vale as cativas. Não mobiliza os incentivos e não atrai a atenção do público. Primeiro ato: Sonhar é possível, acreditar também. Segundo ato: Dar murros em pontas de faca faz as mãos sangrarem e os nós dos dedos tornarem-se brancos de indignação. Intervalo. É hora de se alimentar, de renovar as forças. É tempo de beber da fonte inesgotável de lágrimas e salivas, de afagos e sorrisos equivocados. Ao terceiro sinal, o derradeiro ato: O tragicômico desfecho. Descobre-se os cupins, os fantasmas que de ópera nada entendem, que transformam o dano em dolo. Descobre-se a madeira envelhecida, os camarins e os espelhos que refletem a maquiagem borrada do último palhaço. O palhaço, enfim, fecha sua velha maleta ainda repleta de tintas sem uso, de gliter e lantejoulas. Os artefatos que provocaram riso esfacelaram na última apresentação. A maleta, entretanto, está tão mais pesada do que na chegada. Por onde sair? Sabemos da porta anterior que se despediu de tantos cenários, de tantos artistas e personas. Há, porém, o caminho inclinado e ladeado pela platéia silenciosa e vazia. Há mais cortinas vermelhas e a fonte outrora majestosa... Por onde sair? Repito. Há quem se inclinar reverenciando o aplauso que parece dizer: vencemos? Terei iguais platéias em outros palcos ainda que distantes? Poderei selecioná-las como faço agora? Como removerei a maquiagem para refazê-la e assim fazer-me irreconhecível e anônima? Olha eu novamente idealizando a ribalta. Sairei simplesmente. Como quem vai comprar pipocas. No intervalo dos atos. Na calada da cena. No despertar da magia, rumo à realidade. Mambembe. Serei Saltimbanco. Construirei uma carroça onde depositarei todos os meus pertences e sonhos. Viajarei aglutinando iguais e rechaçando oponentes. O farei com arte. Sem luzes, sem teto, sem estabilidade e sem escolher a platéia. Melhor, sem escolher o texto ou o roteiro. Sem confiar em personagens familiares. São viciados e corrompidos. São feios e charlatões. São uma farsa! Deixarei de ser estrela no céu escurecido pela ambição para voltar a ser monólogo. Daqui por diante, dirijo a mim mesma. Sem olhar para trás, intuirei o ruir das velhas paredes e ouvirei os gritos de Bravo! Bravo! Enfim, de volta a cena como coadjuvante de minha própria história. Respeitável Público...